A Associação Brasileira de Etnomusicologia (ABET) é uma coletividade acadêmica que atua há
mais de 21 anos produzindo vasto material etnográfico e etnomusicológico como disciplina situada
nas principais universidades do país. A sua colaboração tem acontecido através da realização de
uma significativa produção de pesquisas, as quais têm como foco tomar a música e o som a partir de
suas articulações com questões que envolvem temas como raça, gênero, território, sexualidade,
migração, política, história, cultura entre outros atravessamentos.
Por isso, juntamente com docentes das principais Universidades que oferecem o curso de Música no
estado do Rio Grande do Sul (UNIPAMPA, UFRGS, UERGS UFPEL), a ABET, vêm por meio
desta, manifestar-se contra a proposta de emenda à constituição que visa “resguardar todo tipo de
mácula e alteração dos símbolos do estado do Rio Grande do Sul, elencados no art. 6º da Carta
Magna Gaúcha”… compostos pela Bandeira Rio Grandense, Hino Farroupilha e as Armas
tradicionais…”
Consideramos que tal proposta não reconhece o quanto a cultura do estado do Rio Grande do Sul é
dinâmica, viva e está sempre em processo de construção. Diferente do que propõe a ementa, nossa
associação e nossos associados (as) tem inúmeras pesquisas que mostram a necessidade de
alteração por exemplo do Hino Farroupilha, em seu trecho que diz “Povo que não tem virtude,
acaba por ser escravo”.
O referido trecho da letra representa uma afronta histórica às discussões e avanços produzidos pelos
estudos e pesquisas, realizados pelas mais diversas áreas do conhecimento, entre elas, as pesquisas
historiográficas, antropológicas, etnomusicológicas e da educação musical, as quais apontam que os
processos de escravização, tem seus fundamentos ligados aos movimentos de exploração e
colonização Européia, e não a integridade de qualquer povo invadido, muito menos a integridade do
povo Africano afro-diaspórico. Tal descompasso com a produção de conhecimento e leitura
atualizada do período escravocrata, além do constrangimento que impõe aos professores/as e
educadores/as musicais das escolas das redes pública e privada, incentiva à concepção que uma
parcela da população do nosso Estado não tem virtude, já que são negros. Isso nada mais é que um
ato de racismo e violência.
Consideramos que a proposta publicada no diário Oficial da Assembleia Legislativa do RS em 10
de março de 2023 de nº 295/2023 que institui a proteção e imutabilidade dos símbolos do Estado do
Rio Grande do Sul (SEI 573501-01.00/23-7) disponível em
http://proweb.procergs.com.br/temp/PEC_295_2023_02072023212730_int.pdf?02/07/2023%2021:
27:30 que busca impedir a alteração do trecho acima citado, impede a atualização necessária e tardia
sobre os entendimentos que envolvem a escravização no Brasil. Nesse sentido, é muito importante
lembrar que tal discussão não nasce nos dias de hoje. É um debate realizado pelo Movimento
Negro do Estado desde a década de 70, qual tem na figura de Oliveira Silveira seu principal
protagonista. Doutor Honoris Causa pela UFRGS, é um dos idealizadores do vinte de novembro
como dia da Consciência Negra, sugeriu a partir de fatos históricos advindo de sua participação no
Movimento Negro organizado a alteração do trecho referido acima para “Povo que é lança e virtude
a clava quer ver escravo”.
Nesse sentido, a inclusão dessa sugestão, permitiria aos educadores e profissionais da educação
abrir mais uma possibilidade de estudar e compartilhar com seus alunos e alunas outros olhares para
o papel exercido pelas populações negras e indígenas, que não aqueles que tomam a elaboração
destes seres a partir de um entendimento discriminatório e racista, o qual reduz estes sujeitos a
persona do escravo. Contribuiria com os movimentos que fazem referencia as lutas e as formas de
resistência empreendidas ao longo da história do Rio Grande do Sul por dignidade e respeito
reivindicados pelos descendentes dos africanos em respeito a memória daqueles que lutaram em
inúmeras guerras em nosso estado, entre eles, o corpo de combates chamados de Lanceiros Negros.
Esperamos que a proposta de emenda seja rejeitada pelos deputados e deputadas, ou arquivada, e
que o debate público seja realizado de forma transparente e democrático. Consideramos que a
bancada negra, representante da comunidade negra formada por Matheus Gomes (PSOL), Laura
Sito (PT) e Bruna Rodrigues (PCdoB) são verdadeiros combatentes pela agenda negra, sendo
herdeiros de lança e virtude na valorização cultural, social, política e econômica da população negra
no Rio Grande do Sul.
Essa bancada tem aberto debates importantes, em seus primeiros meses de atuação na Assembleia
Legislativo do RS, sendo exemplo para milhares de pessoas negras. Por isso, esperamos que sejam
escutados e respeitados em suas reivindicações, pois representam mais de 20% da população gaúcha
formada por pessoas negras (Pretas e Pardas).
Por fim, afirmamos nosso apoio no combate ao racismo e vemos a referida proposta em tramitação
como mais uma forma direta de silenciar as populações negras em suas reivindicações por
reparações pelos mais de 300 anos de escravização que impactaram e ainda impactam a vida da
população negra. Como entidade nacional, que atua com e em defesa dessas populações, nos
colocamos contra a referida proposta de emenda à Constituição Gaúcha.
Assinam a presente nota de repúdio:

*Pedro Fernando Acosta da Rosa- Prof. Dr. Presidente da ABET- Coletivo de Etnomusicologia Negra
Luana Santos- Profa. Dra. UNIPAMPA- (Grupo de Pesquisa ETNOSÔNICAS UNIPAMPA)
Marília Stein- Coord. do PPGMUS- UFRGS￾Grupo de Estudos Musicais (GEM/ UFRGS)
Luciana Prass- Profa. Dra. UFRGS -Grupo de Estudos Musicais (GEM/UFRGS)
Rafael Noleto – Prof. Dr. UFPEL- Grupo de Pesquisa em Diversidade, Antropologia e
Música (DIVAMUS/UFPEL).
*Eduardo Pacheco- Prof. Dr. UERGS/Coletivo Mwanamuziki
*Eliane Almeida- PhD em Educação Ambiental pela FURG Doutora em Educação pela UFRGS e
Presidenta do Instituto Apakani
*Gabriela Nascimento- Doutoranda em Música UFBA- Coletivo de Etnomusicologia Negra
*Antoniel Lopes- Mestrando em Música UFRGS- Grupo de Estudos Musicais (GEM/ UFRGS)-

Paulo Parada- Doutorando em Música UFRGS/ ETNOMUS UFRGS
Bruno Nascimento- Doutorando em Música UFRGS/ Conselho Estadual de Cultura/ ETNOMUS UFRGS
*Mauro Moura- Mestrando em Música UFRGS- Grupo de Estudos Musicais (GEM/ UFRGS)
Prof. Dr. Rafael Veloso- Universidade Federal de Pelotas

Profa. Dra. Clarissa Ferreira- Universidade Federal de Pelotas
Prof. Dr. Reginaldo Gil Braga-  UFRGS/ETNOMUS UFRGS

Prof. Dr. Mateus Berger Kuschick- SESI Pelotas
(*) Pessoas Negras- Pesquisa negra importa

Porto Alegre, 04 de julho de 2023.