Com profundo pesar e indignação social que a Associação Brasileira de Etnomusicologia e o grupo de pesquisa LAB Koringoma vêm externar solidariedade aos familiares da Yalorixá Mãe Bernadete Pacífico, liderança do Kilombo do Pitanga dos Palmares – Simões Filho, BA. Bernadete foi responsável por uma associação onde mais de 120 agricultores produzem e vendem farinha para vatapá, além de frutas e verduras como abacaxi, banana da terra, inhame e maracujá. Cerca de 290 famílias vivem no local de 854 hectares, além disso, foi uma grande semeadora do samba de roda. Ela dedicou a sua vida ao enfrentamento contra as desigualdades sociais, raciais e religiosas, além de ressaltar o protagonismo das mulheres no samba de roda como mostra o documentário Mulheres do Samba de Roda, o legado das rodas disponível em https://www.youtube.com/watch?v=RzA6Xq3Hq9s produzido durante a pandemia.
Além de Ialorixá, Lider quilombola e militante negra, Maria Bernadete Pacifico Moreira, conhecida como Dona Bernadete, foi uma mestra sambadeira do quilombo Pitanga dos Palmares que já vem de longa tradição na família, que iremos retratar aqui em partes com suas próprias palavras[1]. Ela é filha de Maria Alvina do Nascimento, parteira e sambadeira, que vivia na Fazenda Mocambo e faleceu no dia 02 de janeiro 2011, aos 103 anos em Pitanga dos Palmares. Bernadete nasceu em Salvador, no Caminho de Areia, teve dois irmãos, estudou no colégio ICEIA, e Serviço Social na Universidade Católica. A sua família vivia em Salvador, mas não deixou a raiz em Pitanga de Palmares, onde Bernadete passou as férias de verão, participando ativamente de todo ciclo de festas e trabalhos.
Samba de roda só aqui, aqui é o chula verdadeiro, em salvador não, o samba dela, sempre era aqui, a festa dela, o samba dos menino, era a festa direto aqui, é samba chula, samba de caboclo, samba corrido, nosso samba era aqui, sempre ficava aqui direto nas minhas férias, minhas férias só curtia aqui, participei de presépio, da dança de São Gonçalo, desde de pequena e participei do samba de minha mãe, minha mãe sambava de um lado, tocava pandeiro de outro.
Bernadete estava dando continuidade à luta pela continuidade do samba de roda e toda cultura popular, promovendo a festa de São Gonçalo, herdada pelo Mestre Matias dos Santos que era capitão do Bumba-Meu-Boi, rezador, cantador e dançarino.
Quando minha mãe morreu, olhe, minha gente, hoje estou com a responsabilidade da cultura de minha mãe, que é o baile de pastorinha que é chamada de palhinha, quem ficou com esse cajado, fui eu, e nos temos também a festa de São Gonçalo, aqui do padroeiro, que é a dança de São Gonçalo.
Mestra Bernadete participou do Inventário do Samba de Roda no ano 2004, foi co-fundadora da ASSEBA (Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia) em 2005, e participante ativa dos movimentos e projetos em torno da patrimonialização e valorização do Samba de Roda!
Triste e desumana a forma como sua vida foi extraída, nos deixando perplexos e profundamente indignados com as inúmeras vidas negras que vêm sendo interrompidas nos últimos e o assassinato de dela é mais uma que entra nas estatísticas e exige investigação de quem matou e mandou matar nosso querida sambadeira.
Que a sua ancestralização nos dê caminho para seguirmos atentas, atentos, em busca de justiça e equidade de direitos, que os responsáveis e mandantes por esse crime sejam punidos com a força da lei, pois o legado de luta de Mãe Bernadete continuará e não será esquecido, pois “cada negro que for mais um negro virá” como diz a canção de Simonal. Nossa solidariedade aos familiares e a comunidade quilombola, de terreiro e do samba de roda que tem mais uma de suas lideranças chamadas pra ancestralidade de uma maneira tão brutal.
Ngasakidila, Ngana
Assinam a nota
Katharina Doring e Marcos Santos (grupo de pesquisa LAB Koringoma)
Pedro Fernando Acosta da Rosa (Presidente da Associação Brasileira de Etnomusicologia)
[1] Entrevista realizada pelo projeto Mulheres do Samba de Roda no ano 2015